Comunidade Quilombola Tia Eva mantém resistência e memória negra em Campo Grande

Mesmo com avanços recentes, desigualdades econômicas e sociais ainda marcam a realidade da população negra sul-mato-grossense.


Por Douglas Vieira


Igreja de São Benedito, marco histórico da Comunidade Quilombola Tia Eva em Campo Grande (MS). Foto: Ariovaldo Dantas



No coração de Campo Grande, a Comunidade Quilombola Tia Eva segue como uma das mais fortes expressões de resistência e identidade negra no Mato Grosso do Sul. Criada no final do século XIX por Eva Maria de Jesus, a histórica Tia Eva, o local se consolidou como referência de memória, ancestralidade e afirmação cultural em meio ao avanço urbano e às mudanças sociais ao longo de mais de um século.


Embora o feriado alusivo ao Dia da Consciência Negra tenha sido oficialmente incluído no calendário sul-mato-grossense apenas em 2024, a realidade enfrentada por grande parte da população negra ainda expressa os desafios que atravessam gerações: desigualdade econômica, exclusão territorial e invisibilidade.


Em setembro de 2025, a Comunidade Tia Eva recebeu o reconhecimento oficial como território quilombola. Ali vivem 428 pessoas, sendo 326 autodeclaradas quilombolas, distribuídas em uma área de 21,5 hectares que preserva símbolos marcantes da trajetória da comunidade, como a Igreja de São Benedito e o busto de sua fundadora – elementos que fortalecem a permanência da identidade e da história local.


Os dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ajudam a dimensionar essa realidade. Mato Grosso do Sul possui 2.757.013 habitantes, dos quais 46,93% se declaram pardos e 6,50% pretos. Quando cruzados com informações de renda e moradia, os números revelam a persistência de um cenário de desigualdade. Entre 2012 e 2023, o número de domicílios formados exclusivamente por pessoas negras cresceu para aproximadamente 419,5 mil, representando 40,8% do total estadual. Mesmo assim, a renda média dessas famílias continua bem abaixo da registrada entre lares brancos: 64,2% dos domicílios com renda de até um salário mínimo são chefiados por pessoas negras, enquanto a faixa que ultrapassa esse valor é majoritariamente de pessoas brancas (55,8%).


Em 2024, a Prefeitura de Campo Grande lançou o programa Novembro Negro, sob coordenação da CPPIR (Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), ampliando ações de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira. No entanto, o mapa social da capital mostra que grande parte da população negra segue concentrada nas regiões periféricas, onde o acesso a serviços públicos e oportunidades é menor, refletindo marcas profundas da exclusão que ainda estruturam a cidade.


A Comunidade Tia Eva, mesmo diante desse cenário, reafirma diariamente sua importância histórica e social. É a prova viva de que memória, pertencimento e luta seguem caminhando lado a lado – e continuam essenciais para construir uma cidade mais justa e igualitária.


Busto de Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, símbolo da luta e da ancestralidade que deu origem ao quilombo urbano mais antigo da capital sul-mato-grossense. Foto: Fundação de Cultura