Campo Grande Jazz Festival ocupa as ruas e aproxima o jazz da população

Evento aposta na democratização do acesso à cultura na capital

Por Kíria Chagas

Apresentação ocupou ruas do centro da cidade. (Foto: Kíria Chagas)

O Campo Grande Jazz Festival transformou as ruas da capital em palco na tarde de quarta-feira (17), levando apresentações gratuitas ao público que circulava pelo centro da cidade. Realizado entre os dias 17 e 21 de dezembro, o evento propõe aproximar o jazz do cotidiano da população por meio da ocupação de espaços públicos.


A ideia do festival nasce da ausência de uma cena de jazz estruturada em Campo Grande. Para a produtora geral do evento, Franciela de Andrade Cavalieri, a proposta sempre foi levar o jazz para espaços públicos estratégicos da cidade, reforçando o caráter democrático do evento. “Sempre desejei fazer esse festival em locais públicos importantes, valorizando esses espaços como lugares de cultura”.


Os organizadores destacam que, apesar de sua origem popular e coletiva, o gênero ainda é tratado de maneira restrita, muitas vezes associado a espaços pouco acessíveis. Ao levar o festival para locais abertos e de fácil circulação, a iniciativa pretende ampliar o acesso, democratizar a experiência e contribuir para a formação de novos públicos.



Para os músicos, existe uma carga emocional em fazer música nas ruas. O saxofonista Junior Matos descreve a experiência como um constante “frio na barriga”, provocado pela incerteza do espaço e do público. “Você não sabe se as pessoas vão ser tocadas pela sua música. A expectativa é conseguir acessar o coração de quem está passando”, afirma. Segundo ele, cada apresentação é transformada pela resposta do público, criando um momento formado por conexões inesperadas.


Essa interação espontânea também é destacada pelo músico e coordenador do evento, Adriel Santos. Para ele, o jazz assume novos significados quando atravessa o cotidiano das pessoas de forma natural, fora dos espaços tradicionais de apresentação. Ao ocupar locais abertos, a música dialoga diretamente com quem passa, criando encontros inesperados e ampliando a relação do público com o gênero. “Tocar na rua é uma experiência única, a pessoa vira a esquina e dá de cara com o som rolando. Você vê o olhar, o que elas sentem, e depois vêm agradecer”, conta.



Do outro lado, quem acompanha o festival também percebe esse impacto de forma imediata. O espectador Hellan Cardoso, que frequenta o evento desde a edição anterior, afirma a importância de trazer esse tipo de evento para o cotidiano da população campo-grandense. Ele acredita que a ocupação nas ruas fortalece a relação e o vínculo entre a cultura e a sociedade. Além de proporcionar encontros naturais, esses momentos musicais espontâneos são, segundo ele, essenciais para o desenvolvimento social da cidade.


Hellan também acredita que a música tem o papel e o poder de criação de pertencimento, que mediada pelas emoções, gera a construção de uma identidade coletiva. “Quando você cria essa cultura de identidade com um estilo musical, começa a entender o pertencimento. Existe uma comunicação acontecendo, e é através disso que esse sentimento é gerado, de forma genuína”, explica. 


Além da experiência sensível, o festival também carrega uma dimensão formativa. Para Franciela, o jazz e as artes baseadas na improvisação atuam diretamente no campo emocional, psicológico e filosófico, contribuindo para a formação de público e para uma relação mais profunda com a arte. “A gente deseja não só que as pessoas assistam, mas que tenham contato contínuo com a arte, que isso sensibilize para a cultura de forma mais ampla”, completa.


Após a primeira edição, os organizadores do evento perceberam um aumento de interesse pelo estilo musical na cidade, com seu crescimento na cena noturna, músicos de outras áreas buscando compreender e criar jazz, e ensinando outras pessoas a tocar. Com isso, é possível compreender que o aumento não é apenas no público, mas na produção musical local.


Apesar do retorno positivo do público, os desafios para a realização do festival ainda são significativos. Segundo Franciela, a principal dificuldade está na captação de recursos e na ausência de políticas públicas culturais continuadas. “O maior desafio é sempre o dinheiro e a falta de investimento na ideia. Hoje a gente disputa pleitos de editais, mas, enquanto militante da cultura, eu sempre afirmo que política pública precisa ser continuada”, afirma.


A expectativa dos organizadores é que o festival se consolide no calendário cultural da cidade e possa crescer nos próximos anos, unindo edições de rua e apresentações em espaços fechados. “A ideia do festival é que ele aconteça todo ano. A gente luta muito pra isso. Talvez a gente consiga fazer uma edição de rua e uma edição de teatro, de palco, de salas de concerto. Eu acho importante também democratizar essa experiência, das pessoas poderem sentar numa cadeira, num lugar silencioso, e apreciar um show de jazz. O jazz é muito imersivo, precisa de atenção, sem muita interferência.” afirma Adriel.





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